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Susana Margarida Gonçalves Reis

Licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Mestre em Estratégia pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

AS ILHAS SELVAGENS: MANOBRAS ESPANHOLAS, AMEAÇAS E OPORTUNIDADES

 

Portugal, como país detentor de vários tipos de jurisdições sobre vastas massas oceânicas, é simultaneamente uma ‘superpotência’ e objeto de cobiça, sobretudo pelas potências mais próximas, como Espanha. É sob este quadro pelo menos questionável o motivo pelo qual o sub-arquipélago madeirense das Selvagens, a mais meridional dos territórios portugueses – sobre o qual ainda se ignora, pelo menos publicamente, a verdadeira amplitude de recursos que encerra – continua sujeita a uma espécie de blackout na imprensa, sendo esparsas as referências a estas ilhas e ao diferendo que sobre elas impende, excetuando picos mediáticos como o verificado no Verão de 2013, com a visita do Presidente da República Portuguesa.

 

O esforço deste paper incide, pois, tendo por base lata as perplexidades acima descritas bem como as seguintes perguntas: i) Qual a importância das ilhas Selvagens e por que motivo persiste uma disputa sobre este sub-arquipélago entre Portugal e Espanha? ii)  Que manobras têm sido utilizadas por Espanha no sentido da defesa dos seus objetivos/interesses? iii) Que perspetivas futuras se desenham e de que maneira podem impactar sobre o interesse nacional português nesta questão em específico?

 

Deste modo, o presente trabalho articulou-se, num primeiro ponto, na descrição da problemática que envolve as Selvagens e que objetivos estratégicos estarão em causa; num segundo ponto, a tentativa desmontagem das manobras estratégicas (aqui entendidas como a ação sobre os pontos fracos do adversário, procurando ultrapassá-lo, envolvê-lo, de organizá-lo, sendo sempre um esquema dialético, em que se concebem ações próprias e se anteveem as reações contrárias (Ribeiro, 2010, p. 99-100).) levadas a cabo por Espanha para atingir os seus objetivos; numa terceira fase, as oportunidades e ameaças que o interesse nacional poderá enfrentar; na conclusão, tentativamente elaborada de modo prospetivo, quais as prováveis tendências futuras, aglomeradas sob a forma genérica de um cenário congregando várias vertentes. 

 

1. Porquê as Selvagens?

 

O sub-arquipélago das Selvagens, parte do arquipélago da Madeira e composto por uma série de ilhas e ilhéus com apenas 2,7 Km2 de superfície, é considerado o mais velho arquipélago da Macaronésia . Sem nunca ter tido uma população autóctone até à era dos Descobrimentos – ao contrário das vizinhas Canárias –, as Selvagens seriam descobertas oficialmente por Diogo Gomes em 1438. Propriedade privada de várias famílias portuguesas ao longo dos séculos, seriam compradas pelo Estado português em 1971, reação, crê-se, do interesse internacional suscitado (Carvalho e Leitão, 2005). Com efeito, as características geomorfológicas destas ilhas dotaram-na de peculiaridades em termos de fauna e flora, subsistindo espécies ameaçadas ou de grande interesse ecológico, como as cagarras, situação que terá igualmente derivado na constituição de uma Reserva Natural aquando da sua compra pelo Estado Português (Carvalho e Leitão, 2005).

 

A soberania portuguesa das ilhas não é disputada entre os dois países desde que uma comissão internacional decidiu, em 1938, a favor do pleito português, resolução que seria aceite pelas Cortes espanholas em plena guerra civil (“Las Islas Salvajes, la disputa más larga”, 2010). Assim, estão essencialmente em causa interesses de ordem jurisdicional marítima e de ordem geoeconómica. 

 

Cartografadas desde o século XIV, as Selvagens encontram-se próximas das grandes rotas e corredores marítimos do Atlântico Norte (Carvalho e Leitão, 2005). Ademais, nas ilhas Canárias passam ainda três rotas de navegação internacional, sendo provável que estas se estendam pelas águas do sub-arquipélago das Selvagens (Lacleta, 2004, p.12). Acresce ainda o potencial de exploração dos recursos das águas circundantes das Selvagens: para além dos recursos piscícolas (sobretudo atum), os recursos energéticos e minerais permanecem por conhecer, pelo menos no domínio público. Neste contexto, cabe notar que não será certamente inocente o facto de, em janeiro de 2002, as autoridades espanholas terem atribuído concessões de exploração de hidrocarbonetos à Repsol nas águas do arquipélago das Canárias (Moreno, 2005).

 

Atendendo a fatores de ordem geomorfológica, considera-se possível a existência de jazidas de nódulos de manganês e fosfatos e, bem assim, depósitos de sulfuretos, estanho, volfrâmico e hidrocarbonetos (Carvalho e Leitão, 2005). Existe ainda a possibilidade de a zona do mar madeirense possuir chaminés carbonatadas e hidratos de metano (Correia, 2010, p. 337), bem como ecossistemas submarinos como recifes, algas calcárias e corais onde se desenvolvem lesmas do mar, crustáceos, anémonas, macroalgas e ouriços com grandes potencialidades de aplicação no âmbito da cosmética, medicina, indústria farmacêutica e novos materiais (Azevedo, 2013). 

 

Todavia, as questões em torno da exploração de recursos e o reconhecimento da sua jurisdição são enquadradas pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNDM), que tem estado subjacente às reivindicações dos dois Estados. Com base neste enquadramento legal, o busílis deste diferendo luso-espanhol reside na possibilidade de as Selvagens poderem ser, ou não, consideradas como um conjunto de ilhas e, portanto, passíveis de gerar uma Zona Económica Exclusiva (ZEE). Acaso seja considerado o estatuto de ilhas, as Selvagens poderão gerar uma ZEE portuguesa de não despiciendas dimensões e potencialidades económicas. Em sentido contrário, a definição das Selvagens enquanto ilhéus poderá, na proposta espanhola, resultar na criação de uma «bolha» de águas territoriais portuguesas em torno do sub-arquipélago, com consequente expansão da ZEE gerada pelas ilhas Canárias – situação, de resto, vantajosa para Espanha cujas possibilidades de expansão marítima, seja através da delimitação de mares territoriais, estabelecimento de ZEE ou extensão da plataforma continental se apresenta, à partida, mais limitada do que no caso português. Estará, pois, em causa, uma sorte de jogo de soma nula, o que explicará quer o impasse de definição de jurisdições, quer a virulência com que, nos últimos anos, têm ocorrido alguns incidentes [Vide quadro infra].

 

Fig. 1 Fonte: Lacletá, 2004, p. 17 (com adaptações)

 

2. Desmontando as manobras espanholas

 

A posição e as ações de Madrid tendem a estribar-se numa espécie de cascata de posturas progressivamente reveladoras dos verdeiros objetivos de Espanha, designadamente através de:

 

  1. Uma interpretação restrita da CNUDM, adotando uma postura legalista;

  2. Uma cuidadosa consistência nos argumentos empregues quer nas Selvagens, quer noutros pontos de indefinição das suas jurisdições marítimas relativamente a outros Estados que não Portugal, adotando uma postura de solidez de argumentos;

  3. A utilização de técnicas de bullying mais ou menos direto que encerram um respeito de jure pela soberania portuguesa sobre as Selvagens mas que resultam num desrespeito de facto por essa mesma soberania, adotando uma postura de bullier sem assunção oficial de responsabilidades;

  4. Na existência de interesses de ordem económica encapsulados por todos os discursos e manobras anteriormente descritas e que poderão redundar na obliteração de direitos históricos, jurídicos e de exploração que Portugal detém sobre as águas circundantes às Ilhas Selvagens, adotando uma postura de defesa da raison d’état espanhola, que diverge radicalmente da postura legalista empregue numa primeira abordagem.

 

A POSTURA LEGALISTA - INTERPRETAÇÃO RESTRITA DA CNUDM

 

Espanha tem, efetivamente, vindo a basear o seu posicionamento no artº 121º § 3 da CNUDM, o qual estabelece a impossibilidade de se gerar uma ZEE a partir de ilhéus cuja capacidade autóctone de manutenção de vida humana ou vida económica própria é inexistente. Na ótica espanhola, as Ilhas Selvagens não são ilhas, mas ilhéus ou rochedos cujas altas temperaturas, baixa pluviosidade e inexistência de água doce tornam a vida humana insustentável sem auxílio externo. Ainda assim, ressalva Lacleta (2004), permanecem nas Selvagens um farol e um grupo de ornitólogos/vigilantes em regime de rotatividade (de 21 em 21 dias), apoiados pela Marinha portuguesa.

 

Dos documentos consultados – e do esforço jurídico-diplomático novamente relançado em julho de 2013 (“Rui Machete desdramatiza diferendo com “amigos espanhóis” sobre ilhas Selvagens”, 2013) – parece haver um esforço propositado na contínua denominação de ilheús («islotes»), exceto para fazer menção à posição portuguesa. Nestas ocasiões, e como expectável, a posição portuguesa é tentativamente desconstruída, expondo uma suposta má vontade portuguesa em honrar o Direito Internacional de que Espanha parece ser, no relacionamento com Portugal no que se refere esta questão em específico, o único verdadeiro defensor (Vide Lacleta 2003, 2004 e 2005). Ademais, detetamos contínuas alusões – que não cremos inocentes – ao facto de as Ilhas Selvagens se encontrarem geograficamente mais próximas das Canárias do que da Madeira

 

A POSTURA SÓLIDA - CONGRUÊNCIA DE ARGUMENTOS NOUTRAS DISPUTAS

 

De acordo com a bibliografia consultada, Espanha enfrenta pelo menos 22 disputas fronteiriças com 4 países com os quais apresenta contiguidade marítima (Lacleta, 2004). Dessas 22 disputas, apenas numa foram detetadas semelhanças em relação às circunstâncias que envolvem a questão das Selvagens: o ilhéu de Albóran. Embora haja, por vezes, menções académicas à ilha de Alborán e não ao ilhéu de Alborán (Lacleta, 2004), o rochedo encontra-se mais próximo de Marrocos do que de Espanha. Recorrendo ao artº121º da CNUDM, Lacleta parece não ter dúvidas: Alborán nunca terá albergado uma população civil nem se afigura possível manter na ínsula uma atividade económica própria. Tal como no caso das Selvagens, foi construído um farol em Alborán, a que acresce um ocasional destacamento militar (Lacleta, 2003). Ao paralelismo óbvio com a questão das Selvagens, o jurista espanhol vai ainda mais longe, comparando o caso de Alborán com dois outros distintos: um na Noruega, onde a ilha de Jan Mayen tinha uma pequena comunidade residente em permanência que sustentou a geração de ZEE e as ilhas italianas de Pantellaria, Linosa, Lampedusa e Lampione, onde se desenharam “bolhas de soberania” em torno das ínsulas, criando o precedente que Espanha pretende agora aplicar no caso das Selvagens (2003).

 

De forma aparentemente consistente, Espanha não tem reclamado Alborán como sendo uma ilha. Mas cremos que tal se deva à possibilidade de tal tentativa poder transformar-se em mais um ponto de fricção fronteiriça com Marrocos, sem que tal disputa adicional viesse a alcançar vantagens significativas – ao contrário, por exemplo, da disputa sobre Gilbraltar. 

 

A POSTURA DE BULLIER 

 

Espanha tem também efetuado manobras tangentes ao bullying – entendido aqui como atividade de intimidação ostensiva – a que se furtam posteriores responsabilidades, com os prováveis objetivos de: i) testar as capacidades de reação das autoridades portuguesas e demonstrar as capacidades de vigilância próprias; ii) proceder a uma vigilância/observação direta da situação nas Selvagens; iii) relembrar que o diferendo permanece por resolver – sintoma muito provável da importância das Selvagens para Madrid.

 

Uma das últimas invetivas detetadas ocorreu em setembro de 2007 quando aeronaves não identificadas sobrevoaram as Selvagens em pleno período de nidificação da avifauna protegida, desencadeando um protesto de que as autoridades espanholas se eximiram de responsabilidades (Sousa, 2007). Na verdade, tal autoexclusão parece não se coadunar, à partida, com o facto de a Espanha deter responsabilidades na supervisão do tráfego aéreo suprajacente às Selvagens – sendo também nesta ótica passível de análise mais profunda o facto de, na Cimeira Ibérica de maio de 2012, no Porto, Madrid ter proposto a Lisboa a criação de um espaço comum integrado para tráfego aéreo administrado conjuntamente (Ramos, 2012).

 

O episódio de 2007 foi sucedido pela intrusão de duas embarcações de pesca espanholas «ao largo das Ilhas Selvagens» em setembro de 2011, constituindo o mais recente fenómeno de penetração ilegal por nós detetado, seguindo um padrão de consistente desrespeito pela jurisdição portuguesa sobre as Selvagens. Ainda que a área se mantenha sob disputa, e portanto, formalmente “neutral”, a contínua ocorrência de incursões desta natureza, ainda que efetuadas por pescadores furtivos, poderá ser até certo revelar um certo laxismo propositado das autoridades espanholas no que respeita o controlo de fluxos de certas embarcações provenientes das Canárias.

 

A POSTURA DE DEFESA DA RAISON D’ÉTAT ESPANHOLA

 

A sua persistência de Madrid na defesa da sua posição revela a força anímica que Espanha parece disposta a empregar na defesa dos seus interesses. Neste contexto, aluda-se ao facto de, desde novembro de 2011, a Comissão de Direito Internacional contar com a presença de uma jurista espanhola, Concepción Escobar Hernández (“Concepción Escobar dirigirá la Cátedra ‘Manuel Díez de Velasco’ de Derecho Internacional y de la Unión Europea”, 2011). Independentemente da neutralidade exigida formalmente neste tipo de cargos, Concepción Escobar poderá tornar-se numa voz ativa em favor das pretensões espanholas, amplificando-as naquele areópago, e em sentido inverso, usar o seu acesso privilegiado para informar, antecipadamente, o Executivo de Madrid de eventuais alterações ao Direito do Mar. 

 

Também o facto de o atual Ministro da Energia espanhol, José Manuel Soría Lopéz ser oriundo das Canárias poderá resultar numa maior atenção conferida pelas autoridades centrais espanholas a uma situação que tem merecido um enfoque oscilante e muito dependente dos jogos político-partidários na capita espanhola. A comprovar esta tendência, refira-se que, já sob o mandato de Soría, foi atribuída uma autorização de investigação da existência de hidrocarbonetos em águas Canárias (“Espanha vai investigar existência de hidrocarbonetos. A pesquisa será feita ao largo das Canárias”, 2012).

 

Tabela 1: Fita de Tempo – principais eventos relacionados com a disputa entre Portugal e Espanha relativamente ao sub-arquipélago das Selvagens. [Alvarez, 2013, Carvalho e Leitão, 2005, Curado, 2011, Lacleta 2003, 2004, 2005, Sousa 2007]

3. Riscos e Oportunidades

 

A estratégia espanhola poderá igualmente sofrer alterações de acordo com a forma como vierem a evoluir os princípios normativos de Direito do Mar - no qual Espanha parece especialmente ancorar-se no caso das Selvagens, a ponto de fazer uso dos lapsus linguæ na definição oficial portuguesa do estatuto do sub-arquipélago . 

 

Fundamentalmente, num momento em que a teoria de mar presencial parece ganhar forma (Correia, 2010, p. 246), os direitos históricos podem, como foram no passado, vir a ser ultrapassados por uma nova versão do princípio de utis possidetis (Ribeiro, 2010). Deste raciocínio decorrerá a necessidade de manutenção de visitas de soberania, como as efetuadas por altos representantes de Portugal e, de forma mais vincada, o imperativo em manter uma presença humana permanente nas ilhas. 

 

Ademais, a importância do precedente que as argumentações espanholas utilizam profusamente poderá surtir um efeito de ricochete uma vez que se multiplicam casos semelhantes à reivindicação portuguesa do estatuto das Selvagens enquanto ilhas, um pouco por todo o globo. Vários Estados procuram manter ou reforçar a sua presença em rochedos/ilhas, reclamando a geração de ZEE e a provável extensão da plataforma continental a partir dessa presença. Exemplos desta natureza proliferam em locais tão distintos no Mar do Sul da China (Cribb e Ford, 2009), no Atlântico Norte (ilhéu de Rockall), no Japão ou no Atlântico Sul (Arquipélago de S. Pedro e São Paulo – Brasil) (Correia, 2010, p.246). A proximidade geográfica ou, em particular, os direitos históricos parecem efetivamente não produzir efeitos nesta nova era de utis possidetis marítima, como patenteia a decisão do Tribunal Internacional de Justiça relativamente a dois ilhéus entre a Malásia e a Indonésia .

 

Mas a lenta implantação, pela praxis, de uma teoria de mar presencial poderá ir mais além do que a manutenção de destacamentos militares, missões ornitológicas e faróis. Também a reivindicação de direitos soberanos poderá estribar-se numa presença económico-tecnológica que permita reforçar o exercício desses direitos, tal como acontece no caso da Área onde o acesso a recursos se circunscreve aos Estados detentores de tecnologias para o fazer (Pureza, 1997). A investigação científica e o desenvolvimento de novas tecnologias que permitam o conhecimento, o acesso e a exploração de recursos existentes poderão vir a tornar-se instrumentais na posse útil das águas jurisdicionais portuguesas ao largo das Selvagens, evitando ações predatórias por parte de Espanha e de outros Estados. Neste contexto, refira-se que, de acordo com Correia (2010, p. 311), «todos os anos aumenta o número de pedidos para a realização de cruzeiros científicos estrangeiros no mar português, sendo o número de pedidos em 2010 já superior a 40 por ano». Azevedo (2013) revela que, em 2012, foram desenvolvidos 17 projetos científicos e publicados 22 artigos em revistas científicas, sobre as Selvagens. Estes dados serão sintomáticos do interesse que suscita o mar português e as Selvagens em particular, e para o qual um cenário de desenvolvimento de capacidades científicas autóctones e uma particular vigilância da atividade pressupostamente benigna dos cruzeiros de investigação será de grande importância para a proteção do interesse nacional português.

 

Neste quadro, mesmo que aparentemente apartadas da questão essencial das Selvagens, mencionem-se duas ações espanholas poderão ter o intuito de também ali reclamar alguma vantagem estratégica: i) a opção adicional de aquisição de três submarinos pela Armadas Espanhola, em 2001, que, nas palavras do Comandante da Base Naval de Cartagena, serviriam para atuar na extensa área marítima portuguesa acaso Portugal não reforçasse os seus próprios meios. (Coelho, 2012); ii) o desenvolvimento de um sistema de satélite, denominado Sea-Horse, que permitisse monitorizar as águas territoriais e ZEE’s desde Portugal, passando pela Mauritânia, Senegal, Cabo Verde e terminando na Guiné-Bissau, programa que pode, em tese, configurar-se como uma espécie de invetiva soft à capacidade portuguesa de exercício de soberania nas suas águas – abrangendo ainda o território marítimo de dois Estados lusófonos e transformando-se em mais uma manobra conducente à tentativa transformação de Espanha na potência predominante no sector Sul do Atlântico Norte (“Espanha encomenda sistema que vai controlar ZEE portuguesa”, 2008).

 

Refira-se, por último, que durante a Cimeira Luso-Espanhola do início de maio de 2012, no Porto, Madrid colocou sob a mesa negocial a criação de um espaço comum integrado para o tráfego aéreo, administrado conjuntamente por Portugal e Espanha e que passará a incluir na responsabilidade partilhada os voos sobre Santa Maria, nos Açores (Ramos, 2012). A iniciativa espanhola, enquadrada na política comunitária de liberalização do espaço aéreo e de criação de um Céu Único Europeu com os supostos objetivos de melhorar a segurança no ar parece, de acordo com o texto do jornalista José Ramos (2012), esconder um objetivo mais prosaico: a partilha espanhola das receitas provenientes da atividade de controlo e vigilância do espaço aéreo que poderão ascender a €180 milhões ao ano. Em termos de objetivos de longo prazo, esta iniciativa, a coberto de interesses de índole aparentemente benéfica, parece derivar de o facto de Portugal ser uma «superpotência em termos de controlo de espaço aéreo» (Ramos, 2012) o que, mutatis mutandis, também se reflete ao nível oceânico, onde Portugal detém a 11ª maior ZEE a nível mundial (Correia, 2010, p. 287) e onde é muito provável que iniciativas semelhantes (administração comum/comunitária) das ZEE venham a colocar em causa o exercício da soberania portuguesa sobre a vasta mancha jurisdicional que detém e que poderá vir a reivindicar (extensão dos limites da plataforma continental ). 

 

4. Conclusões 

 

A questão das ilhas Selvagens tem vindo a ser objeto de uma estratégia espanhola que tem como principal objetivo a elevação do país a potência predominante no sector Sul do Atlântico Norte.

 

Acaso não sejam tomadas medidas que conduzam:

 

  1. A uma defesa jurídica do estatuto de ilhas nas Selvagens, consentânea com o Direito Internacional vigente, ancorando essa defesa sobre outros casos similares; neste contexto, releve-se que a emissão de opiniões contrárias/contraditórias com o discurso oficial português (as Selvagens são ilhas e não ilhéus) aparenta ser contraproducente no plano político e académico;

  2. À efetivação da teoria de mar presencial, não só ao nível da manutenção e reforço das capacidades de vigilância, de preferência próprias que permitam evitar atividades predatórias –; como a permanente ocupação humana nas ilhas e o incentivo a uma investigação científica autóctone;

  3. À antecipação de eventuais mudanças de paradigmas normativos, tanto na União Europeia como a nível mundial;

  4. À vigilância de outras manobras espanholas em quadrantes distintos do relacionamento bilateral e do relacionamento comunitário – mormente a extensão da plataforma continental espanhola ao largo da Galiza, o posicionamento face a Gibraltar, a proposta de criação de um Céu Único Europeu, o estabelecimento de projetos de cooperação sob a racionalidade da partilha de custos mas cujo lead não é nacional ou mesmo qualquer alteração dos regimes de proteção ambiental – que poderão ter um impacto direto nas Selvagens.

 

A mera invocação de direitos históricos e a não antecipação de paradigmas legislativos internacionais bem como manobras por ora ilegais mas que poderão legitimar a utis possidetis no mar (nomeadamente a capacidade de conhecer, aceder, explorar, gerir e proteger recursos) poderão não ser suficientes para garantir que a ZEE das Selvagens não seja, a prazo, de jure e de facto ocupada por Espanha. 

 

5.Referências Bibliográficas

 

OBRAS E ARTIGOS (em revistas «físicas»)

 

  • CORREIA, Armando José Dias (2010), O Mar no Século XXI. Contributo para uma Análise Estratégica aos Desafios Marítimos Nacionais, Fedrave – Fundação para o Estudo e desenvolvimento da Região de Aveiro, Aveiro. 

  • CRIBB, Robert e FORD, Michele (Ed.) (2009), Indonesia beyond the Water’s Edge, Indonesia Update Series, Research School of Pacific and Asian Studies, The Australian National University, Institute of Southeast Asian Studies, Singapura.

  • ESCARAMEIA, Paula (1994), Colectânea de Leis de Direito Internacional, ISCSP-UTL, Lisboa.

  • CARVALHO, Luís e LEITÃO, Nuno (2005), “A Noção Estratégica das ilhas Selvagens”, in: GeoINova - Nº 11, Revista do Departamento de Geografia e Planeamento Regional, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp. 267-283.

  • PUREZA, José Manuel (1997), “A Multinacionalização dos Fundos Marinhos” in AA.VV., Janus 98 Anuário de Relações Exteriores (1997), Público e Universidade Autónoma, Lisboa, pp.172-173.

  • RIBEIRO, António Silva (2010), O Essencial ao Processo Estratégico. Teoria Geral da Estratégia, Edições Almedina, Coimbra.

  • FONTES INSTITUCIONAIS

  • “INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE, Reports of Judgment Advisory Opinions and Orders Cas Concerning Sovereignity over Pulau Ligitan and Pulau Sipadan” (2002), internet: http://www.icj-cij.org/docket/files/102/7714.pdf, consultado em 26 de maio de 2012.

 

DOCUMENTOS ELETRÓNICOS

 

 

OUTRAS FONTES

 

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