top of page

Tiago F. Martins

Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

O CLUSTER DO CONHECIMENTO DO MAR EM PORTUGAL  

 

INTRODUÇÃO

O “mar” tem vindo a afirmar-se na última década como um tema recorrente na arena política e também nos media nacionais mas poderemos falar de uma verdadeira reorientação estratégica de Portugal para o mar? E em caso afirmativo, teremos capacidade para assumir esse desígnio?

 

Para responder a estas perguntas, devemos começar por olhar para as universidades, laboratórios e outros institutos e centros de investigação dedicados às Ciências do Mar em Portugal. É afinal neste tecido que reside a maior vantagem competitiva que um país pode ter no século XXI: o conhecimento. 

Assim, ao nível da investigação científica na área das Ciências do Mar são reconhecidos:

 

  • 2 Laboratórios de Estado (LE) - Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e Instituto Hidrográfico (IH);

  • 2 Laboratórios Associados (LA) – o Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro e o Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMAR), que acopla o Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve e o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto;

  • 5 Unidades de I&D (UI&D) - Centro de Ambiente e Tecnologias Marinhas (MARETEC) do Instituto Superior Técnico, Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve, Centro de Oceanografia (CO) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), Unidade de Investigação em Eco-Etologia (UIEE) do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Centro de Mar e Ambiente (IMAR-CMA) da Universidade de Coimbra.

 

Existem também outros institutos que, embora não sejam avaliados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) na área do mar, possuem unidades de investigação que desenvolvem uma atividade muito significativa neste domínio. Alguns exemplos proeminentes são:

 

  • o LARSyS, laboratório especializado em Robótica e Sistemas em Engenharia e Ciência e que tem como associados, entre outros, o Instituto de Sistemas e Robótica (ISR) do Instituto Superior Técnico (IST) e o Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores (UA); 

  • o Laboratório de Sistemas e Tecnologia Subaquática da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; 

  • o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto (INESC-TEC), com destaque para o Laboratório de Sistemas Autónomos do Instituto Superior de Engenharia do Porto; 

  • o Centro de Engenharia e Tecnologia Naval (CENTEC) do IST, que desenvolve a sua actividade em tecnologias para exploração do mar; 

  • o Centro de Investigação Naval da Marinha Portuguesa (CINAV), associado à Escola Naval; 

  • a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica (Ciência Viva), dinamizadora do  projeto “Sea for Society – Um Mar para a Sociedade”;

  • o Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, especializado nas Ciências da Terra e do Espaço;

  • o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e a sua Linha de Investigação em Assuntos do Mar (LIAM), que publica periodicamente a revista electrónica Maria Scientia e que organiza anualmente, desde 2013, um Programa Avançado em Estudos do Mar;

  • a Fundação para o Estudo e Desenvolvimento da Região de Aveiro (FEDRAVE), que tutela o Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração (ISCIA), integrando este por seu turno o Departamento de Tecnologias do Mar (DETMAR);

  • ainda em Aveiro, a Cátedra CGD Estudos do Mar, lançada em 2013 e coordenada pelo investigador escocês Graham John Pierce, especialista em Biologia Marinha e Pescas e a Plataforma Tecnológica do Mar, ambas sediadas na Universidade de Aveiro, que participa também em dois programas de doutoramento Erasmus Mundus em Ciências Marinhas – o Mares e o Macoma.

 

Ao nível do Ensino na área do mar a oferta resume-se a formação graduada ou pós-graduada, existindo cursos específicos nos seguintes domínios: Ciências do Mar; Meteorologia, Oceanografia e Geofísica; Ecologia Marinha e Recursos Marinhos; Biologia Marinha; Aquacultura e Pescas; Gestão das Atividades Marítimas e Portuárias; Engenharias Naval e Portuária; e Ciências Militares Navais (Escola Naval). De realçar ainda pela positiva o lançamento pela Universidade do Algarve da 1ª edição da Ocean Technology Summer School, agendada para o mês de Julho de 2014.

 

De uma forma geral, a oferta de cursos é maior na área das Ciências Biológicas e Naturais e menor nas áreas das Engenharias e da Oceanografia aplicadas. Subsistem contudo alguns constrangimentos importantes na formação profissional. A formação em hidrografia, por exemplo, não é ainda considerada formação superior e a formação em engenharia oceanográfica e engenharia hidrográfica só é possível no estrangeiro (normalmente no Canadá ou nos EUA), o que ajuda a explicar a carência de recursos humanos nestas áreas.

 

Outra dificuldade reside na pouca flexibilidade do sistema de ensino em Portugal uma vez que que a burocracia excessiva não favorece uma formação transversal e tampouco as equivalências entre instituições do ensino superior, obstaculizando um diálogo operacional entre as ciências, como seria recomendável para esta área, que requer um conhecimento multi e interdisciplinar. Neste sentido, seria vantajoso promover programas conjuntos entre universidades, ao nível dos mestrados e doutoramentos, por exemplo, cultivando uma investigação em rede de âmbito nacional mas também internacional.

 

Não basta porém olhar para as universidades. Também nas empresas se concentra e desenvolve conhecimento relevante sobre e para o “mar português”. 

 

A ESRI Portugal (Sistemas de Informação Geográfica) e a Critical Software são dois bons exemplos, na área das Tecnologias da Informação e da Comunicação. Ambas são associadas do Fórum Empresarial da Economia do Mar (FEEM) que, juntamente com a Oceano XXI, têm prosseguido um trabalho importante de ponte entre as universidades e as empresas. 

 

Na área dos novos usos e recursos do mar merecem também destaque empresas como a Bioalvo, que explora a biblioteca de extratos de bactérias marinhas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que têm potencial para a indústria farmacêutica e para a cosmética; a Stemmaters, que desenvolve tecnologias de utilização de novos materiais de origem marinha para aplicação na área da saúde, designadamente na regeneração de tecidos e de órgãos; a Algaplus, que faz a colheita, produção e comercialização de macroalgas e produtos seus derivados ou ainda a Sparos, uma spin-off do CCMAR que se dedica à inovação no desenvolvimento de produtos, tecnologias e processos para a alimentação de peixes em aquacultura.

 

Na área da robótica sobressaem a Marsensing, uma spin-off da Universidade do Algarve que desenvolve atividades centradas na acústica submarina; a Oceanscan, spin-off da Universidade do Porto que desenha, fabrica e opera veículos subaquáticos e sistemas; a Marine Robotics, spin-off do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico (IST) especializada em AUVs (Autonomous Underwater Vehicles) e finalmente a Tekever, que desenvolve drones autónomos de duplo uso para ar, terra e mar.

 

O CLUSTER DO CONHECIMENTO DO MAR

Identificados que estão os principais stakeholders da Ciência e Tecnologia do Mar em Portugal, importa perceber que tipo de ligação e interacção existe entre eles, isto é, se temos ou não um verdadeiro cluster.

 

Começando por desconstruir o conceito de “cluster do conhecimento”, por conhecimento entende-se aqui a investigação, a inovação, o desenvolvimento, mas também a educação, a formação e a sensibilização.

 

Por cluster entende-se “um conjunto de atores cuja atividade se organiza em torno de um conjunto de sectores com fortes relações e que pela interação dos seus membros gera um potencial de inovação que separadamente esses membros nunca poderiam ambicionar ter” (SaeR,2009). 

 

Perante esta definição, distinguem-se alguns ensaios de clusterização das Ciências do Mar em Portugal, designadamente:

 

  • o Instituto do Mar (IMAR), criado em 1991 e sediado em Coimbra, reúne como associadas a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, a Universidade dos Açores, a Universidade de Évora, a Universidade do Porto, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e o Instituto Abel Salazar para as Ciências Biomédicas. O Instituto do Mar realiza estudos interdisciplinares em colaboração com cientistas das áreas da Física, Química, Biologia e várias áreas da Engenharia;

  • a Associação OceanoXXI apresenta-se como o “cluster do conhecimento e da economia do mar” e é constituída por empresas, instituições de ensino superior, centros de I&D e entidades de administração local; 

  • o Consórcio OCEANOS é constituído por 5LE, 1 LA, 4 universidades e 1 UI&D. Criado em 2010, visa promover a cooperação científica nacional e internacional nas áreas da oceanografia;

  • o Campus do Mar, um projecto lançado pela Câmara Municipal de Lisboa em 2013 e que preconiza a implantação de um Centro de Ciências do Mar que integre em rede várias universidades de Lisboa com diferentes backgrounds científicos, tais como a faculdade de Farmácia, a Faculdade de Direito ou o Instituto Superior Técnico, tendo em vista a afirmação da cidade como “Capital Europeia do Atlântico”. (COSTA,2013)

  • por fim, o Campus Mar Portugal, que aparece na ENM 2013-2020 enquadrado na área programática “Educação, Ciência e Tecnologia”, não merecendo contudo uma descrição mais elaborada que permita descortinar o alcance do projecto. Sabe-se contudo que o objectivo é criar uma “rede académica alargada a nível nacional, mas também transatlântica e com a Galiza”. (RIBEIRO, 2014)  

 

Considero todavia que o cluster do conhecimento do mar está ainda por concretizar pois todas estas iniciativas têm o mérito insofismável de agregar diferentes actores, por vezes até oriundos de várias regiões do país e de diferentes áreas do saber mas depois as interações não se revestem do dinamismo e frequência desejáveis.

 

Continua a urgir contudo a criação de um sistema regulador da investigação nacional para o mar, talvez um instituto nacional de C&T que ficasse responsável por elaborar e monitorizar um Plano de Acção Nacional com a identificação das acções prioritárias e projectos estratégicos a desenvolver no sentido de aumentar o conhecimento e a capacidade tecnológica de Portugal para a exploração do potencial do seu mar profundo e para promover a afirmação internacional de Portugal na investigação do ambiente marinho e marítimo. Este Plano de Acção deve basear-se nas necessidades reais da economia nacional mas deve também estar orientado para mercados externos competitivos.

 

A jusante, é fundamental ter um sistema de integração de dados estruturado e orientado para clarificar e fazer chegar o contributo das instituições de I&D do mar aos decisores políticos e para promover a transferência de tecnologia para as empresas.5 A interligação de universidades e empresas numa cadeia de valor integrada é sem dúvida um ponto basilar e algo que julgo só poder ser atingido em virtude de um forte estímulo ao empreendedorismo nas universidades e centros de conhecimento científico.

 

Neste aspecto, estou totalmente de acordo com as conclusões do relatório Bluegrowth for Portugal, liderado por Tiago Pitta e Cunha, onde se avança a ideia de criar “planos de incentivo ao empreendedorismo” que reúnam universidades e empresas em grandes incubadoras e aceleradoras de empresas. (CUNHA,2013) Tudo isto só será todavia consequente se acompanhado de investimentos em infra-estruturas, laboratórios e equipamentos, investimentos esses que têm necessariamente de ser sustentados e com um horizonte de médio-longo prazo.

 

É igualmente importante reforçar parcerias já existentes (como a da UA e do ISR Lisboa) e promover ao máximo novas colaborações e a transferência de conhecimentos, não só para aumentar assim as interacções mas também para evitar duplicação de esforços e de investimentos.

Esta lógica de cluster será uma ferramenta indispensável à concretização dos objectivos estatuídos na Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 (ENM), ela que assume o Crescimento Azul como modelo de desenvolvimento do futuro, baseado no conhecimento e na inovação em todas as actividades e usos do mar.

 

A CRUCIALIDADE ESTRATÉGICA DO CONHECIMENTO

Em 1998, A comissão Mundial Independente para os Oceanos, liderada por Mário Ruivo, elaborava o relatório “O Oceano: Nosso Futuro”, onde se sublinhava já a importância do conhecimento científico sobre os processos funcionais dos oceanos para o processo de tomada de decisão.

 

Volvidos 16 anos, a maior parte da superfície do planeta continua a estar coberta por água mas o mar continua a ser, ironicamente, a última fronteira inexplorada da terra, uma fronteira incógnita e distante por comparação com a superfície da Lua, por exemplo. Isto reflete-se também ao nível do investimento: há hoje mais recursos alocados à investigação da topografia de Marte que ao conhecimento das profundezas oceânicas do nosso planeta e a NASA, por exemplo, tem um financiamento anual cerca de três vezes superior ao da National Oceanic and Atmospheric Association ($5,447.7 mil milhões), a entidade responsável pelo programa de exploração dos EUA para o oceano.

 

No quadro abaixo podemos ver que o Conhecimento do mar profundo, a nível mundial, resume-se a 0,0001%, o que é bem revelador da dimensão da nossa ignorância e do caminho por percorrer. 

Tab. 1 Fonte: Ramirez-Llodra, E. et al., Biogeosciences, 7, 2010, pp. 2856-2857 (tabela adaptada pelo autor)

 

No entanto, o pouco que já se conhece justifica por si só o investimento na exploração do oceano profundo. Sabemos, por exemplo, que as formas de vida extremófilas que aí se encontram abrem toda uma panóplia de possibilidades para a biotecnologia, desde a área da saúde (oncologia e farmacologia) até à criação artificial de seres vivos que permitam combater a acumulação de gases com efeito de estufa ou à exploração de micro-algas como base de produção de biocombustíveis sem efeitos nocivos sobre a produção alimentar. (SANTOS,2013b)

 

Actualmente, a crucialidade estratégica das Ciências do Mar está também indelevelmente ligada à perspectiva de extensão da plataforma continental, que significou para os vários estados costeiros a possibilidade de alargar as respectivas soberanias a novos espaços e com isso chegar a novos nichos de desenvolvimento.

 

Houve uma época em que o atraso científico sobre os oceanos era de tal forma evidente que muitos países até se deram ao luxo de seguir um regime tão vago e subjectivo quanto aquele adoptado na Convenção de Genebra de 1958, onde o controlo dos recursos naturais da plataforma continental abrangia todo o espaço sobre o qual cada estado possuía capacidade científica e tecnológica para levar a cabo a respectiva exploração.

 

Actualmente, a mera possibilidade de extensão da plataforma continental está indelevelmente ligada ao desenvolvimento científico e tecnológico e sabemos que o reconhecimento ou não das pretensões de cada estado tem uma fortíssima ponderação de base científica.

 

A perspectica de extensão da plataforma continental significa para Portugal uma vertiginosa extensão das suas fronteiras para o mar profundo pois apenas 1% dos 4 milhões de km2 correspondentes à potencial extensão da plataforma continental estão acima dos 400m (profundidade média é de 4000m) (SANTOS,2013a). Temos um “mar oceânico” e isso acarreta dificuldades acrescidas ao nível da investigação, “obrigando-nos” a estar na vanguarda tecnológica para transformar o potencial económico de “hoje” no valor consumado de “amanhã”.

 

Neste contexto, o registo de patentes é um tópico fundamental. A revista Science revelou que, no depósito mundial de patentes biológicas, 90% dessas patentes não especificam a origem. Isto significa que, se as descobertas no nosso mar profundo não forem feitas por investigadores, empresas ou capacidades portuguesas, retiraremos daí poucos ou nenhuns benefícios, pois elas serão feitas por outros países. (ARNAUD-HAOND,2011)

 

Também do ponto de vista ecológico e ambiental o conhecimento dos oceanos revela-se absolutamente fulcral: graças aos progressos científicos e tecnológicos do século XX, passámos a compreender melhor o impacto das actividades humanas no mar e isso teve implicações no nosso comportamento. Neste capítulo, as Ilhas Selvagens, consideradas Reserva Natural em 1971, são um exemplo paradigmático da importância da actividade científica para a conservação da natureza e da biodiversidade mas também enquanto actividade económica e, neste caso particular, enquanto mecanismo de exercício de soberania.

 

Em suma, é absolutamente estratégico reforçar o investimento no mar, nomeadamente em navios, mas também em terra, na capacidade de investigação e de exploração. A nova economia do mar requer uma mão-de-obra altamente qualificada, com elevadas capacidades tecnológicas e por isso as Ciências do Mar deveriam ser uma prioridade de formação para os jovens portugueses. 

 

O POTENCIAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA MARINHA EM PORTUGAL

A posição geográfica de Portugal, “debruçado” sobre o Oceano Atlântico, é absolutamente privilegiada, constituindo um elemento distintivo a nível europeu e uma vantagem comparativa no que toca às actividades de investigação científica marinha.

 

Em Portugal, os Açores reúnem excelentes condições para se assumirem como grande pivot de uma Política Nacional de Investigação Marinha.

 

Os Açores detêm uma ZEE que representa cerca de 30% da ZEE europeia e constituem um verdadeiro laboratório natural marinho dada a diversidade de habitats como montes submarinos, campos hidrotermais de baixa e de grande profundidade e recifes e jardins de corais frios. (RIBEIRO A.,2013)

 

Esta riqueza natural representa um interesse acrescido não só para o desenvolvimento da investigação científica mas também para actividades económicas conexas como a prospecção de organismos marinhos com potencial de utilização na indústria farmacêutica, indústria cosmética e biotecnologia; a exploração mineral em montes submarinos e campos hidrotermais para aplicação na indústria de alta tecnologia ou a energia das ondas, sem esquecer a pesca turística e a observação de cetáceos.

 

As fontes hidrotermais, para além do seu interesse geomorfológico, são repositório de uma variedade de minérios e suporte de uma das zonas com maior biodiversidade da Terra, com a particularidade de conterem cadeias tróficas totalmente independentes da luz solar e do processo de fotossíntese.

 

Para se ter uma noção mais aproximada da importância de estudar estes habitats, acredita-se que a partir do “mexilhão das profundidades”, típico destes ecossistemas, poderá chegar-se a um modelo que permita encontrar na sua fisiologia e química molecular, quais as enzimas envolvidas na reparação das lesões da cadeia de DNA e como desenvolvem processos de desintoxicação. Estas descobertas terão muito interesse na área da biotecnologia e podem ajudar a tratar doenças como o cancro ou a malária.

 

A sul dos Açores têm sido descobertos vários campos hidrotermais, numa zona da Crista Média Atlântica que já é conhecida mundialmente como uma região privilegiada para estudos da crosta submarina e fauna e o campo Lucky Strike, por exemplo, é actualmente a maior área hidrotermal activa conhecida, com 21 chaminés activas e 150 km2, que se estendem por mais de 19 mil hectares e com fluídos que atingem os 330ºC.

 

Com base na análise da ISI Web of Knowledge, a grande base de dados internacional das revistas científicas, entre 2006 e 2010, Portugal foi o 8º país do mundo com maior número de publicações científicas sobre fontes hidrotermais, sendo que a Universidade dos Açores teve um peso preponderante nestes números, afirmando-se como a 10ª instituição mais relevante a nível mundial no estudo destas temáticas. Esta posição é tanto mais reveladora se tomarmos em consideração o facto de, em finais dos anos 90, a UA nem sequer constar das 500 primeiras. (SANTOS,2013b)

 

A Universidade dos Açores, mais precisamente o DOP, tem-se especializado nas áreas da actividade hidrotermal submarina, produção, acumulação e dispersão submarina de metano, biosfera profunda, vulcanologia marinha, biologia e geologia marinhas e oceanografia. Conta para o desenvolvimento destas actividades com um navio de investigação, o Arquipélago, e outras três embarcações. Parte desde progresso deve-se também às novas capacidades introduzidas pelo Lab Horta, um laboratório de ecossistemas profundos e ao sistema de jaulas acústicas recuperáveis, ambos permitindo uma reprodução do ambiente natural em condições laboratoriais, gerando assim novas oportunidades de investigação para a comunidade científica nacional e internacional.

 

A UA é por isso um exemplo de como a aposta nas Ciências do Mar não se resume à atribuição de verbas para Bolsas ou para instituições de I&D, é preciso investir em infra-estruturas e em parcerias para captar financiamentos externos. Imagine-se o potencial de crescimento e de desenvolvimento económico para Portugal se outras universidades portuguesas tivessem acesso a estas valências?

 

A investigação científica é uma actividade socioeconómica que não se esgota em si mesma e na qual vale a pena investir, possuindo um valor operacional efectivo para o desenvolvimento sustentável do oceano mas exigindo um investimento estrutural, numa perspectiva de continuidade.

 

Na situação económica frágil que Portugal vive hoje, torna-se ainda mais determinante a integração dos seus actores empresariais e científicos em plataformas cooperativas internacionais que queiram investir em Portugal e neste contexto os EUA perfilam-se como um parceiro privilegiado em vectores como a robótica, a exploração de recursos biológicos, minerais e energéticos a grande profundidade e também nas energias renováveis do vento e das ondas.

 

Também a China é um actor a ter em conta e está prevista a criação ainda este ano de um centro de investigação luso-chinês no âmbito das Ciências do Mar e que envolve, para além da UA, a Universidade do Algarve e a Universidade do Porto. 

 

Quanto ao interesse chinês na exploração dos mares dos Açores, Ricardo Serrão Santos, Pró-Reitor da UA, explica que os chineses dispõem de um submersível que é o único a atingir grandes profundidades (o Jiaolong) e “andam a procurar concessões para exploração mineral das Zonas Económicas Exclusivas”, estando muito interessados nas questões relacionadas com a biotecnologia.”

 

A capacidade para atrair estes e outros parceiros internacionais para a aventura da exploração do Atlântico profundo afigura-se crucial pois só assim uma “média potência” como Portugal poderá participar activamente e beneficiar desta nova era. Japão, Canadá e Noruega são outras parcerias estratégicas que podem constituir-se como um grande activo para o conhecimento e exploração dos recursos da nossa plataforma continental alargada.

 

No âmbito da União Europeia, a Política Marítima Integrada e o Plano de Acção para o Atlântico são sem dúvida dois “processos” em que Portugal deve continuar activamente empenhado, até porque devemos rejeitar a todo o custo que a nossa plataforma continental acabe dirigida a partir de Bruxelas, no quadro de uma qualquer política comum europeia.

 

O PESO DO MAR NA DISTRIBUIÇÃO GLOBAL DE VERBAS DA FCT PARA A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

É apenas em 1986 que as Ciências do Mar surgem como área de referência no quadro da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (extinta em 1997 para dar lugar à FCT), então sob a forma de Programa Mobilizador das Ciências e Tecnologias do Mar.

 

Tab. 2 Fonte: Fundação para a Ciência e Tecnologia

Já com a FCT, a área de “Ciências do Mar” autonomizou-se enquanto área científica com tal designação apenas em 2004, dentro do domínio científico das “Ciências Naturais e do Ambiente” (ver quadro acima). Até lá, aparecia integrada na área denominada “Ciências da Terra, do Mar e da Atmosfera” e foi com esse enquadramento que foi criado, em 1999, o Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Mar, que duplicou o número de mestrados e doutorados nesta área em apenas dez anos (Cunha, 2011, p. 37). 

 

Este programa contou com apoios financeiros substanciais da UE e promoveu a atribuição de bolsas para estudos avançados nas seguintes áreas prioritárias: (i) o estudo dos processos naturais na ZEE e na plataforma continental portuguesa e suas interações com a atmosfera, biosfera e geosfera; (ii) o desenvolvimento das bases científicas, metodológicas e técnicas de gestão integrada da zona costeira portuguesa e estuários, com especial atenção aos recursos vivos, à biodiversidade e aos efeitos da poluição; (iii) os estudos relacionados com a prospeção dos recursos do solo e subsolo marinhos na ZEE nacional, bem como com a exploração de novas aplicações nos domínios da biotecnologia, farmacologia e medicina; (iv) a criação de bases científicas, metodologias e projetos-piloto de monitorização que contribuam para a estruturação de um sistema nacional e para o Sistema Global de Observação dos Oceanos; (v) o desenvolvimento de serviços operacionais de gestão e difusão de informação em ciências do mar e dados oceanográficos. (SILVA, 2011)

Presentemente, as atividades dos LA e UI&D são em grande medida financiadas por verbas provenientes da FCT através de contribuições diretas (financiamento base e programático) e de projetos de investigação e bolsas de estudo.

 

O quadro abaixo foca-se na evolução do número de projectos de investigação aprovados pela FCT e do respectivo financiamento, quer na área das Ciências e Tecnologias do Mar (CTM), quer noutros domínios científicos em que o mar é objecto de estudo, entre 2008 e 2012:

Tab. 3 Fonte: Fundação para a Ciência e Tecnologia, consulta a projectos homologados.

Em 2010 foram submetidos 166 projectos na área científica de CTM, embora apenas 23 tenham merecido financiamento, o que corresponde a uma taxa de aprovação de 14%, que é relativamente baixa por comparação com outras áreas científicas. 

 

Em 2012, ano do último Concurso da FCT, o número de projectos aprovados nesta área manteve-se mas o financiamento aumentou cerca de meio milhão de euros, num valor global de €3.314.098.11

 

Dentro das Ciências e Tecnologias do Mar, a sub-área “Sistemas Estuarinos, Costeiros e Litorais” foi, em 2012, a que congregou maior número de projectos (11) e de financiamento (€1.798.194), logo seguida da “Biotecnologia Marinha, Pescas e Aquacultura” (8 projectos; €1.326.932) e finalmente da sub-área “Sistemas Oceânicos e do Mar Profundo”, onde apenas um projecto mereceu financiamento no valor de €188.972.

 

No que respeita a outras áreas científicas com projectos no mar, aí o financiamento elevou-se até aos €5.537.570, quintuplicando a verba de 2010, ano do Concurso imediatamente anterior e aproximando-se das cifras de 2008.

 

 Este é um dado elucidativo da transversalidade intrínseca à investigação científica dos oceanos, senão vejamos o conjunto de áreas científicas que, não sendo contempladas pela FCT enquanto “Ciências e Tecnologias do Mar”, tiveram projectos relacionados com o mar. São elas: Engenharia Civil e Minas (Hidráulica); Ambiente e Alterações Globais; Ciência Animal e Ciências Veterinárias; Ciências Biológicas (Biologia Animal e Biologia Microbiana); Geociências (Geologia e Geofísica e Geoquímica); Ciências Sociais e Humanidades (História); Arqueologia; Engenharia Mecânica e Sistemas de Engenharia; Química e Engenharia Química; Engenharia Eletrotécnica e Engenharia Informática (Automação, Controlo e Robótica); Bioengenharia, Biotecnologia e Bioquímica; Biomedicina.

 

Somando o financiamento destinado aos projectos enquadrados pelas CTM àquele dos projectos sob alçada destas outras áreas, obtemos um total de €8.851.668, o que significa um acréscimo significativo de €4.616.668 por comparação com 2010.

 

Constata-se portanto que Portugal tem feito progressos assinaláveis para o reforço das competências nacionais ao nível dos recursos humanos na área das ciências e tecnologias do mar porém, se atentarmos ao total de financiamento da FCT para todos os domínios científicos em 2012 (€91.927.346), concluímos que as Ciências do Mar representam apenas 3,6%. Se incluirmos nestes cálculos os projectos no mar associados a outras áreas científicas, então a percentagem aumenta até os 9,7%.

 

9,7% foi portanto, em 2012, o peso do mar no conjunto das verbas públicas para  a Ciência e Tecnologia em Portugal, isto ao nível da FCT.

Demasiado pouco para uma área que os governantes assumem nos seus discursos como estratégica e para o objectivo de aumentar em 50% o contributo da Economia do Mar para o PIB Nacional até 2020.

 

PROGRAMA INCENTIVO 2013

Concentrando-nos agora no Programa “Incentivo” 2013, onde consta o financiamento reservado pela FCT para as Instituições de I&D durante o ano transacto, é de assinalar a presença do ISR Porto, do INESC Porto e da LARSyS no Top10 das instituições para as quais foram destinadas as verbas mais avultadas mas constatamos em contrapartida que unidades de investigação como o Centro de Estudos Florestais (€59.306) ou a Unidade de I&D em Análise de Ciclo de Vida de Produtos e Componentes Industriais Soldados (€57.545) obtêm um financiamento superior ao de laboratórios e unidades como o Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia (€44.037), o CESAM (€33.810), o MARETEC (€25.033), o Instituto Dom Luiz (€19.700), o IMAR-CMA (€19.570), o CIMA (€15.814), o CENTEC (€11.049) ou o Centro de Oceanografia (€8.145).

 

Penso por isso que o método de cálculo e atribuição de incentivos para cada instituição deveria ser reconsiderado de modo a conferir um peso especial às instituições de I&D cujo objecto de estudo está directamente ligado a áreas consideradas como áreas de investigação prioritárias e estratégicas para o país, como é a área do mar.

         

CONCURSO INVESTIGADOR FCT

O Programa Investigador FCT é uma outra via de financiamento da FCT. Lançado em 2012, ele visa criar as condições para o estabelecimento de líderes científicos, através da atribuição de financiamento por 5 anos aos mais promissores cientistas, em todas as áreas científicas e nacionalidades. O objetivo deste programa é recrutar 1000 investigadores excecionais até 2016, para desenvolvimento de linhas de investigação inovadoras, em centros de investigação portugueses. O programa apoia investigadores pós-doutorados que pretendam estabelecer-se como investigadores independentes, e investigadores já independentes, com mérito curricular comprovado.

 

Em 2012 foram recomendadas para financiamento 158 candidaturas e em 2013, 210. Em 2012 foram selecionados, na área do mar, investigadores do CIIMAR (3), do CCMA (2) e do CIMA (1). No total, 6 investigadores correspondendo a aproximadamente 3,8% do global. Em 2013 este número aumentou para 11: 5 do CESAM, 1 do Centro do IMAR da Universidade dos Açores, 1 do IPMA, 1 do CIIMAR, 1 do CIMA, 1 do IMAR-CMA e 1 do CCMA, aproximadamente 5,2% do global, portanto.

 

Mesmo sabendo que eventualmente poderão existir outros investigadores a trabalhar questões ligadas ao mar em outros centros não integrados na área do mar pela FCT, estas percentagens não deixam de ser relevantes e indicativas daquilo que me parece um claro hiato entre aquilo que são os objectivos fixados, designadamente na ENM e os meios disponíveis, principalmente os financeiros.

 

Para melhorar todos estes indicadores, é preciso vontade política para, entre outras coisas: reavaliar a forma de atribuição e a regularidade dos financiamentos para as instituições de CTM; desburocratizar o acesso e a gestão dos concursos; repensar o actual modelo de avaliação dos centros de I&D pelo número de publicações bem como os próprios painéis de avaliação, que não incorporam invariavelmente as diferentes valências que caracterizam esta área multidisciplinar e tampouco têm a preocupação de incluir investigadores portugueses; contabilizar o tempo de navio para financiamento nos projetos; e evitar reembolsos tardios que interrompam ou paralisem os projectos em curso.

 

A par disto, é fulcral que os centros de conhecimento continuem a procurar outras fontes de financiamento e podemos ler isso mesmo no website da própria FCT: “a procura de financiamentos alternativos aos da FCT, particularmente os Europeus, cuja obtenção é prova de competitividade internacional, mas ainda aqueles atribuídos por empresas privadas, reveste-se de uma relevância crítica no contexto atual de Orçamentos de Estado necessariamente muito limitados, bem como na perspetiva do novo Programa Quadro Europeu Horizonte 2020. Concordo em absoluto com esta ideia desde que não seja acompanhada de uma “desinstitucionalização” das Ciências do Mar e da Ciência num sentido mais lato. A FCT é a agência pública nacional para o financiamento da investigação em ciência, tecnologia e inovação e desvitalizar este organismo seria comprometer a política científica nacional e o futuro do país.

 

O facto é que, nos anos recentes, as instituições têm conseguido cada vez mais captar financiamento externo à FCT. Só no período 2007-2011, por cada euro captado em financiamento institucional da FCT (não incluindo portanto os projectos de investigação e as bolsas), as instituições de I&D do mar captaram, em média €1,96 em financiamentos externos à FCT, muitas vezes oriundos da Comissão Europeia (maioritariamente contratos do 7º Programa-Quadro-FP7) e de contratos com empresas e/ou municípios.

 

Os instrumentos de acção da União Europeia são portanto uma oportunidade para Portugal reforçar a sua capacidade de exploração dos oceanos, e importa influenciar ao máximo o quadro marítimo europeu que está, reconhece o próprio Secretário de Estado do Mar, “sobretudo orientado para a valorização do litoral e das zonas costeiras, reflectindo a natureza não oceânica da maioria dos estados europeus”. (ABREU,2012)

 

O grande desafio de Portugal, dentro da UE, é por isso alterar o conjunto dos actuais critérios para a atribuição dos Fundos Europeus para o Mar, fazendo prevalecer a extensão, a diversidade e a profundidade do mar como principais características a ter em conta aquando da atribuição de fundos.

 

Neste contexto, o Plano de Acção da UE para o Atlântico e o Horizonte 2020 constituem dois planos de relevo onde Portugal deve fazer por encabeçar a rede de investigação marinha europeia.

 

A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO PARA A NOVA ENM

Fig. 1 Fonte: Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, Anexo B (Plano Mar-Portugal), B-4.

Ao olharmos para este esquema representativo do Plano de Acção da ENM (Plano Mar-Portugal), torna-se bem evidente o quão indispensável é o conhecimento científico enquanto eixo de suporte de toda a estratégia e a interpenetração desse eixo com todos os demais eixos, quer de suporte quer de acção bem como com todos os domínios estratégicos de desenvolvimento.

 

É a própria ENM a reconhecer que “o conhecimento é transversal a todas as áreas de actuação da ENM e implica uma prevalência das componentes de I&D”. Daí que encontremos ao longo de todo o documento inúmeras alusões à necessidade estratégica de instalar ou reforçar a capacidade de investigação científica e tecnológica em praticamente todas as áreas programáticas, desde a Biotecnologia Marinha até à Construção e Reparação Naval.

 

No quadro abaixo estão dispostos aqueles que são os principais objectivos e resultados esperados para a área da “Educação, Ciência e Tecnologia” no âmbito da ENM.

Tab. 4 Fonte: Resolução do Conselho de Ministros nº12/2014 in Diário da República, 1º série – Nº30 – 12 de Fevereiro de 2014, p.1328.

A par destes objectivos gerais, existem alguns projectos concretos que merecem um destaque especial, tais como:

 

  1. Construir um ROV-PT de águas pouco profundas, constituindo para tal um consórcio de universidades, escolas profissionais e PME`s; 

  2. Operacionalizar um observatório submarino de profundidade capaz de servir de hub de controlo para a operação de redes de veículos autónomos;

  3. Avaliar/Inventariar os recursos do Mar Portugal;

 

Estes objectivos estão integrados no projecto “Plataformas de Investigação” da ENM e tratando-se de um projecto de potenciação e alinhamento das capacidades nacionais, terá necessariamente de se financiar através do Orçamento do Estado, existindo porém muitas oportunidades a explorar no quadro do Horizonte 2020. O custo previsto para o projecto é de aproximadamente €4,5 milhões mas trata-se de um investimento verdadeiramente estratégico até porque, dada a dimensão gigantesca do mar português, a aposta na robótica submarina, por exemplo, permite massificar o esforço de pesquisa e controlar assim os custos. 

 

A agenda dos programas de I&D deve pressupor igualmente, preconiza a ENM, o investimento em recursos humanos qualificados e em infraestruturas de ciência e tecnologia ligadas aos mares e oceanos, bem como a optimização dos recursos existentes, o fomento e reforço da cooperação, a partilha de meios entre instituições nacionais e a participação activa nas redes internacionais. Mais, a ENM diz que “a I&D deve ser financiada de forma estável e com consistência programática, orientada para as necessidades funcionais e de conhecimento que decorrem da implementação da ENM".

 

Relativamente aos Recursos Humanos, um dos objectivos assumidos pela ENM é o de disponibilizar no sistema educativo e formativo qualificações e formações adequadas às exigências actuais e futuras e de reforçar assim o corpo científico nacional, apostando numa política de “atractividade”.

 

Apesar desta declaração de intenções, o certo é que há sinais recentes inquietantes, que apontam num sentido totalmente inverso. A 14 de Dezembro de 2013, uma carta aberta assinada por mais de uma dezena de investigadores seniores, alertava que “a investigação do mar sob jurisdição portuguesa está em risco”. No final deste ano, metade dos jovens investigadores em oceanografia física e 77% em oceanografia geológica terminaram os seus contratos ou bolsas.

 

A carta aberta afirma que “emigram a uma velocidade aterradora jovens cientistas altamente qualificados, responsáveis por grande parte do esforço nacional para o estudo do mar” e que Portugal corre o risco de regredir mais de 20 anos e ficar “sem capacidade de obter conhecimento” da sua vasta área marinha, sendo “urgentíssima uma intervenção que tente, pelo menos, atalhar e reduzir esta sangria”.

 

Outro sinal de sentido contrário é o corte adicional de €30 milhões no Orçamento das Universidades para 2014, elas que são os grandes pólos de conhecimento do país.23 Na Universidade do Algarve, por exemplo, teme-se pelo fim do CCMAR, responsável por 50% da investigação que aí se produz, não só pelos cortes nas bolsas mas também pela falta de perspectivas de futuro para os jovens que gostariam de seguir uma carreira de investigação em Portugal. 

Se é inegável que, nos últimos dez anos, assistimos a um reforço das equipas nacionais de investigação no âmbito das CTM, em boa medida devido ao projecto de extensão da plataforma continental, é igualmente verdade que muitos destes quadros qualificados acabam por sair do país num verdadeiro fenómeno de brain drain motivado pelas melhores condições de trabalho que encontram além-fonteiras. 

 

Em Fevereiro de 2014, o Ministro da Educação Nuno Crato viu-se obrigado a recuar na redução do número de Bolsas e a anunciar um reforço de 12 milhões de euros para a área da Ciência. Resta agora saber quanto dessa verba será para bolsas para jovens investigadores interessados em especializar-se na área do mar.

 

O FUTURO

Mais que um elemento central da História de Portugal, o mar é um elemento estratégico para a independência nacional e para o futuro do país. É por isso urgente uma reorganização institucional que permita uma melhor governação do mar e a boa prossecução dos objectivos da ENM, particularmente na área das Ciências do Mar. 

 

Com ou sem a extensão da plataforma continental, Portugal possui uma vastíssima área marítima sob sua jurisdição. A dimensão gigantesca do nosso mar é directamente proporcional às oportunidades e responsabilidades que lhe estão associadas e a primeira coisa a fazer é avaliar e reconhecer as nossas limitações para, num futuro mais imediato, explorar tamanho potencial. Isto é particularmente verdade no que toca à exploração industrial do solo e subsolo da plataforma continental, algo que exige uma capacidade tecnológica muito avançada.  

 

 Perante estes condicionalismos, o conhecimento científico torna-se deveras crucial, não só para criar ou reforçar essa capacidade mas também para gerar e consolidar conhecimento capaz de contribuir para uma posição mais informada de Portugal aquando da negociação de concessões a países ou empresas estrangeiras tecnologicamente mais avançados.

 

Neste sentido, a criação de um Instituto nacional de C&T específico para as Ciências do Mar, responsável por fixar as prioridades de investigação e as áreas de intervenção estruturantes e promovendo a ligação entre os centros de conhecimento e as empresas, seria, na minha opinião, um importante avanço. 

A afirmação estratégica de Portugal deve suportar-se em capacidade científica e tecnológica estimulada por uma vontade política e governativa competente e informada para tomar as melhores decisões nos assuntos do mar, desde a regulação das actividades industriais e comerciais no litoral até à gestão dos recursos marítimos nas profundezas.

 

Devemos pautar a nossa acção pela potenciação das capacidades já existentes, designadamente nos centros de I&D e na Marinha; pelo estabelecimento de parcerias inteligentes a nível internacional e por um posicionamento estratégico no âmbito da UE e da CPLP; pela consciência ecológica e continuação da estratégia que tem sido adoptada para o estabelecimento de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) e no âmbito da Directiva-Quadro Estratégia Marinha e, não menos importante, pela aposta na literacia do mar e na sensibilização e mobilização da sociedade civil para a importância do mar.25

Tudo isto requer o reforço de competências científicas e tecnológicas próprias e o Plano de Acção para o Atlântico e o programa Horizonte 2020 podem ser, neste particular, duas alavancas fortíssimas para a nossa Economia Azul.

 

Neste período de vulnerabilidade estratégica para Portugal, existem em volta do mar condições inéditas em termos de recursos científicos e humanos: temos uma comunidade científica ligada ao mar que conta mais de 3.000 elementos, entre os quais cerca de 800 doutorados, isto para além das dezenas de instituições dedicadas à pesquisa científica que já aqui mereceram destaque e da enorme mais-valia que é contarmos com um equipamento como o ROV, que chega a qualquer ponto do nosso mar profundo. (MARQUES,2013). Importa agora assegurar e buscar uma verdadeira coincidência ou pelo menos uma aproximação progressiva e permanente entre intenções e meios. Tal exige uma especial atenção à necessidade de assegurar condições para manter os melhores investigadores portugueses no país e de mais e melhores infraestruturas e equipamento.

 

Há cerca de cinco séculos atrás, Portugal iniciava a aventura dos Descobrimentos, era em que o Infante D. Henrique foi figura cimeira como “patrono” da Universidade e como propulsor de uma espécie de “Iluminismo” antecipado para o mar. Afrontando o Adamastor, o Infante D. Henrique procurou a “razão” em disciplinas como a geografia, a cartografia, a navegação, a astronomia ou a construção naval. Nos dias de hoje, ressaltam a robótica, a biotecnologia, a geologia, a biologia ou a oceanografia enquanto áreas de investigação prioritárias.

 

O que nós, portugueses, devemos exigir hoje da nossa classe política dirigente é que assuma plenamente este desafio de desenvolvimento que se nos coloca, um desafio que é simultaneamente uma “janela de liberdade”, como diz o Professor Adriano Moreira. Porque, no que ao mar diz respeito, olhar para trás não é sinónimo de saudosismo. É, isso sim, uma prova de visão estratégica.

 

Tratemos pois hoje de aduzir à “distância pessoana” do mar aquilo que é hoje a aventura da exploração das suas profundezas. Para tal, o mar deve e tem de assumir-se como área central de investigação, inovação e desenvolvimento do país.

 

BIBLIOGRAFIA

  • Abreu, Manuel Pinto de (2012), “Moldando o futuro do mar português – a plataforma continental estendida”, Revista Cluster do Mar, Setembro/Outubro 2012, p. 39.

  • Arnaud-Haond, Sophie (2011); Arrieta, Jesús; Duarte, Carlos, “Marine Biodiversity and Gene Patents”, Science, Vol.331, 25 de Março de 2011. 

  • Costa, António (2013), “Afirmar Lisboa como Capital Europeia do Atlântico”, Revista Cluster do Mar, Agosto/Setembro de 2013, pp.36-41.

  • Cunha, T. P. (2011). Portugal e o Mar: À Redescoberta da Geografia. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.Cunha, Tiago Pitta (Coord.) (2012), “Bluegrowth for Portugal – Uma Visão Empresarial da Economia do Mar”, COTEC Portugal, Novembro 2012.Oceano XXI, Relatório “Desafios do Mar 2020”, em parceria com a PWC disponível em http://www.oceano21.org/userfiles/file/Notas%20de%20Imprensa/OceanoXXI%20_NI_15_09MAI13_DocumentoDesafiosMar2020.pdf

  • Marques, Viriato Soromenho (2013), “O Mar como desafio para a unidade das Ciências: três notas críticas”, O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Tinta da China, Lisboa,p.200.

  • Resolução do Conselho de Ministros Nº12/2014, p. 1318 (http://dre.pt/pdf1sdip/2014/02/03000/0131001336.pdf) 

  • Ribeiro, António de Almeida (2013), “O mar na política externa portuguesa”, O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Tinta da China, Lisboa, 2013, p.235.

  • Ribeiro, João Fonseca (2014), “A Estratégia da UE para o Atlântico e Novas Oportunidades de Financiamento Comunitário”, Programa Avançado em Estudos do Mar, Universidade Católica, 4ABR2014.

  • Ribeiro, José Manuel Félix (2013), O Mar no Futuro de Portugal, Comunicação ao Seminário do Mar em 24 de Abril de 2013, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

  • SaeR (2009), O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa. SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009., p. 105.

  • Santos, Ricardo Serrão (2013a), “A Bioprospecção Marinha e o Registo de Patentes”, Seminário do Mar, ISCSP, 28NOV2013.

  • Santos, Ricardo Serrão (2013b), “Investigação sobre Ecossistemas de Profundidade em Portugal”, Seminário Portugal – um porta-estandarte dos mares profundos: Ciência Pescas e Governança, Dezembro 2013, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

  • Silva, Jaime Ferreira (2011), “A Plataforma Continental Portuguesa: Análise do Processo de Transformação do Potencial Estratégico em Poder Nacional”, Lisboa, ISCSP (Dissertação de Mestrado).

bottom of page